Começa em nós
Palestra no Congresso Espírita do DF propõe o autoperdão como ponto de partida para a construção de uma humanidade melhor
“Se o perdão é algo que devemos dar ao próximo, por que não oferecê-lo também a nós mesmos?” — foi com essa provocação que o expositor espírita Saulo César emocionou o público na manhã deste sábado (19), durante o 10º Congresso Espírita do Distrito Federal, realizado no Templo da Legião da Boa Vontade, em Brasília. Com o tema “Culpa não, autoperdão”, a palestra conduziu uma jornada de reconexão com a própria humanidade, destacando a importância de reconhecer os erros sem permanecer neles.
A proposta de Saulo foi clara: deixar de fazer da culpa uma morada. “A culpa tem uma função. Ela é como uma placa: aponta uma direção, propõe um curso de ação. O problema é quando a gente constrói uma casinha debaixo da placa e passa a viver ali”, comparou.
Em um mundo cada vez mais acelerado e exigente, onde casos de depressão, ansiedade e burnout aumentaram mais de 50% apenas no último ano, Saulo lembrou que o cuidado com o outro começa com o cuidado consigo. “Se você não estiver bem, as chances são de que vá interagir com o outro de maneira negativa. Se você não é capaz de se perdoar, não será capaz de perdoar o outro”, afirmou.
A palestra tocou profundamente ao lembrar que a construção de uma sociedade mais empática passa, necessariamente, por um olhar mais amoroso sobre si mesmo: “A natureza não cobra o fruto maduro da semente que está apenas começando a brotar. Por que então somos tão duros conosco?”, provocou.
Quatro obstáculos ao autoperdão
Com leveza e bom humor, Saulo identificou quatro razões principais que dificultam o autoperdão e convidou o público à autorreflexão:
Supervalorização do conhecimento sem prática: Segundo ele, há uma tendência de se cobrar demais por já ter lido, estudado, escutado muito — esquecendo que saber não é sinônimo de estar pronto. “A gente lê o currículo do curso e já se cobra como se tivesse concluído a formação”, disse, arrancando risos e suspiros da plateia.
Esquecer que errar faz parte da jornada: O erro, afirmou, é parte inevitável da experiência humana. “Só erra quem tenta. Só erra quem está vivo. O problema é repetir o erro sem perguntar: ‘Por que não aprendi ainda?’”.
Adotar modelos e padrões de forma equivocada: Muitas vezes nos culpamos por não sermos como aqueles que admiramos — sejam pais, líderes religiosos ou figuras públicas. “Devemos ter pessoas que nos inspiram, mas jamais tentar ser cópia de ninguém. Cada rosa floresce à sua maneira, no seu tempo.”
Tomar decisões no frio que terão que ser vividas no calor: Promessas feitas fora da realidade emocional do dia a dia — como começar uma dieta rigorosa ou assumir compromissos espirituais inflexíveis — acabam se tornando fontes de frustração. “Seja mais bondoso com você. Pergunte-se: o que eu realmente dou conta de fazer agora?”
Um convite ao recomeço
Ao final da palestra, a mensagem de Saulo era clara e esperançosa: a vida nos dá, todos os dias, um voto de confiança. “A misericórdia divina não espera que a semente dê fruto antes de lançar raízes. Autoperdão é isso: reconhecer a própria humanidade e seguir cultivando a terra que somos.”
Com aplausos emocionados, o público se despediu do encontro carregando nas mãos e no coração uma certeza transformadora: a humanidade que sonhamos não virá pronta do alto — ela começa em cada um de nós, a partir do momento em que decidimos nos acolher.
Ana Guimarães, jornalista espírita